Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

martaleal

... Blogger, coach, mentora, palestrante, autora, contadora de histórias, formadora e uma apaixonada pela vida ...

Olhar a vítima como vítima

Marta Leal, 06.07.20

rope-2322774_1920.jpg

- Parece que o rapaz se matou 

- Coitado, deve-se ter arrependido

- Faz-se cada coisa por amor ...

O meu corpo voltou-se, e as minhas entranhas revoltaram-se. Hesitei, enquanto olhava para aquelas duas pessoas a conversar, muito convictas daquilo que tinham acabado de dizer. Não vos consigo descrever o que senti. Como se descreve uma emoção de revolta e fúria? Como se descreve uma emoção de quem quer gritar que nada daquilo teve a ver com amor?  Como se descreve uma emoção de que aquilo que se acabou de ouvir não tem nada a ver com a realidade? Não disse nada, mas as palavras continuaram a ecoar na minha mente o resto do dia, e a sensação de desconforto também.

Este caso vai muito além de todas as vidas que marcou. A morte da Beatriz vem reforçar aquilo que preocupa a muitos. A condenação da vítima para desculpabilizar um crime. Continuamos a romantizar o que não pode ser romantizado, e a desculpabilizar o que não tem desculpa. Precisamos de aprender a olhar para a vítima como vitima, e para o culpado como culpado. Que se comece a entender, de uma vez por todas, que o amor não maltrata, nem mata.

Soube da morte do Rúben há cerca de vinte e quatro horas. As minhas emoções levaram-me automaticamente para um pensamento de justiça de que a Beatriz merecia um julgamento, mas rapidamente pensei nos pais. Pensei nuns pais que, num prazo de um mês, perderam duas vezes o mesmo filho. Se não podemos, nem devemos ficar indiferentes a esta dor inimaginável, também não podemos ficar indiferentes a uma sociedade mesquinha que aponta o dedo sedenta de pormenores. Pormenores, meias verdades, mentiras e descontextualizações que perpetuam no tempo e na memória daqueles que sofrem a dor da perda. Está na hora, não só, de olharmos para as vitimas como vitimas, mas principalmente de as respeitarmos enquanto vitimas. 

Que as palavras coerentes da mãe da Beatriz nunca parem, e que outras se juntem a ela! Que a morte da Beatriz não seja apenas mais uma morte, mas a morte que empreendeu a mudança. 

2 comentários

Comentar post